Os torajanas moram em regiões
isoladas da ilha Sulawesi, na Indonésia. Por lá, a morte, como conhecemos no
Ocidente, é apenas um ritual de transição: por isso, nunca o corpo da pessoa é enterrado
logo após o seu falecimento. Os rituais costumam levar dias, semanas e até anos
para acontecer.
Enquanto isso, o corpo dos entes que
partiram continuam fazendo parte da família, recebendo visitas e até dando
conselhos. É o caso da mãe de Yohana Palangda, que era vista como uma espécie
de guru em sua aldeia e, mesmo passado mais de um ano de sua morte, continua
tendo um lugar especial na casa de sua filha.
Debora Maupa morreu em 2009, aos 73 anos, mas seu corpo mumificado
permanece na vila
Comida aos mortos
Nesse estado, o defunto é chamado de
“makala”, que significa “pessoa doente”. Seu corpo é tratado com
formalina, uma mistura de formaldeído e água que faz com que sua carne não
apodreça. Com o tempo, isso acaba se transformando em um processo de
mumificação. Porém, o cheiro do cadáver permanece, mas ele é atenuado com
incensos de sândalo.
Os velórios costumam ser grandes
celebrações – iguais a um casamento ou a um batizado, por exemplo. Eles demoram
a acontecer porque na tradição torajana toda a família precisa estar reunida
para se despedir do ente querido. Uma espécie de “pré-funeral” acontece logo
após a morte da pessoa, que depois retorna para casa à espera do velório
especial.
De volta ao lar, muitas pessoas até
servem refeições aos falecidos. A jornalista Amanda relato o caso de uma
família que havia perdido a mãe há duas semanas e mesmo assim servia 4
refeições por dia para ela: café da manhã, almoço, chá da tarde e janta.
Mortos continuam recebendo atenção como se estivessem apenas doentes
Grandes celebrações
funerárias
Os grandes velórios são capazes de
parar uma aldeia. Nem mesmo ambulâncias com pessoas doentes consegue passar a
multidão. A jornalista definiu isso com: “Aqui, a morte supera a vida”. No
ritual funerário, uma grande quantidade de búfalos é morta para oferecer aos
convidados e para guiar o falecido “do lado de lá”.
Engana-se, entretanto, quem pensa que
os torajanos cultuam a morte: muito pelo contrário, eles procuram tratamentos
ocidentais para que a pessoa enferma não acabe falecendo. E quando isso enfim
acontece, a tristeza toma conta da família assim como no Ocidente. O que muda,
porém, é a maneira com que se encara esse período depois da morte.
Tudo isso começou com a chegada dos
missionários holandeses na região, que transformaram essa parte do país, que é
tradicionalmente muçulmano, em um reduto cristão. Os funerais seguem os ritos
de leituras de textos específicos da Bíblia. Ainda não se sabe quando foi
iniciada a cultura de demorar para fazer os enterros. No começo do século 20,
quando a escrita chegou à região, pessoas já documentavam esse tipo de
comportamento.
Quanto mais búfalos forem mortos, mais a pessoa tinha prestígio na
aldeia
Turismo fúnebre
A jornalista tenta traçar um paralelo
entre o que acontece na Indonésia com que o que praticamos no Ocidente. Citando
os escritores Colin Murray Parkes e Holly G. Prigerson, do livro “Bereavement”,
Amanda lembra que é comum, por aqui, mantermos um tipo de contato com nossos
entes falecidos.
Muitas vezes, nós sentimos suas presenças
e continuamos conversando com eles, mesmo após suas partidas. Não é incomum,
inclusive, que a gente alegue ser capaz de vê-los em espectro. Quão diferente
isso é da cultura torajana, que, grosso modo, também faz as mesmas coisas, só
que com os corpos das pessoas na sala?
Essa tradição também serve como
turismo: principalmente europeus e australianos costumam visitar a região de
Sulawesi para conhecer seus rituais fúnebres. Para os habitantes locais, isso é
uma prova de quão importante é a família e o quanto isso deve permanecer em sua
cultura.
Turismo cresce na região
Segundo funeral
Você pode até achar uma desculpa para
ir a um casamento, mas, se você tiver a oportunidade de ir ao funeral de um
parente, você realmente vai dispensar essa última chance? A maioria com certeza
não. Tanto que na Indonésia eles também servem para você conhecer membros
familiares distantes.
O funeral é tão importante para eles
que é repetido depois de alguns anos. Nesse segundo ritual, chamado de “ma’nene’”,
os corpos dos antepassados são desenterrados para receber uma nova mortalha,
além de lanches e cigarros. Isso acaba sendo uma forma de “matar a saudade” de
quem já partiu há mais tempo.
Amanda Bennett termina sua matéria
levantando algumas questões: “Como que nós ocidentais nos distanciamos tanto da
morte? Como perdemos a sensação de estarmos ligados uns aos outros, à sociedade
e ao universo?”. Fica a reflexão...
Cristina Banne morreu em 2011 e seu corpo é exumado para a realização de
um segundo funeral