O corvo, uma das aves mais enigmáticas e inteligentes do reino animal, tem fascinado culturas ao longo dos séculos por sua astúcia, memória e capacidade de adaptação. Aristóteles já observava sua inteligência, e estudos modernos confirmam que essas aves são capazes de usar ferramentas, resolver problemas complexos e até reconhecer rostos humanos. Como afirmou o etólogo Konrad Lorenz: “Os corvos são como crianças aladas, com uma curiosidade que beira a genialidade.” Ao observar comportamentos como o uso de formigas para fins terapêuticos, somos convidados a refletir sobre o quanto a natureza ainda pode ensinar ao ser humano — sobretudo no que diz respeito ao autocuidado, à observação do ambiente e à sabedoria do instinto.
Conheça a técnica "Anting"
A técnica conhecida como "Anting" é um comportamento curioso e fascinante observado principalmente em aves como corvos, gralhas, tordos e outros passeriformes. Trata-se do ato deliberado de se cobrir ou esfregar o corpo com formigas vivas, ou posicionar-se sobre formigueiros permitindo que as formigas subam pelo corpo. Esse comportamento é instintivo e multifuncional, tendo sido registrado por observadores desde pelo menos o século XIX.
O que é a técnica "Anting"?
Existem dois tipos principais de "Anting":
- Anting Ativo: a ave coleta formigas com o bico e as esfrega diretamente nas penas, asas ou outras partes do corpo.
- Anting Passivo: a ave se deita ou permanece imóvel sobre um formigueiro, geralmente com as asas abertas, permitindo que as formigas subam livremente por seu corpo.
Por que as aves fazem isso?
A principal razão para esse comportamento está relacionada à liberação de substâncias químicas pelas formigas, principalmente as do gênero Formica e Camponotus, que secretam ácido fórmico como mecanismo de defesa. Esse ácido e outros compostos possuem propriedades:
- Inseticidas naturais: ajudam a eliminar parasitas como ácaros, carrapatos e piolhos das penas.
- Fungicidas e bactericidas: atuam na limpeza de microrganismos prejudiciais.
- Alívio de irritações na pele ou penas, o que é especialmente importante quando a ave está doente ou enfraquecida.
Além disso, algumas aves esperam que as formigas liberem o ácido fórmico e então as comem, aproveitando o fato de que o composto defensivo já foi descarregado, tornando as formigas mais palatáveis.
A conexão com doenças e enfraquecimento
Quando um corvo ou outra ave está doente, seu organismo tende a ser mais vulnerável a infestações por parasitas e microrganismos. O "Anting" pode ser, nesse contexto, uma forma de autocuidado ou automedicação, permitindo que a ave melhore sua condição de saúde ou ao menos alivie os sintomas. É uma forma de “farmacognosia animal”, ou seja, o uso consciente de substâncias naturais para manutenção da saúde — algo mais comum do que se imagina no reino animal.
História e registros
O comportamento foi cientificamente descrito pela primeira vez no início do século XX, mas há registros informais em diários de naturalistas desde os anos 1800. Ornitólogos como Edwin Way Teale e W. H. Thorpe dedicaram estudos ao tema, impressionados com a consistência e a inteligência desse hábito. Mesmo em cativeiro, aves sem contato com formigueiros espontaneamente mostram interesse por formigas, o que sugere um instinto profundo.
Curiosidades e variações
- Algumas aves substituem formigas por outros insetos com secreções irritantes (como besouros ou mariposas) que também podem ter efeitos terapêuticos.
- Espécies diferentes têm preferências distintas quanto ao tipo de formiga utilizada, e algumas só praticam o "Anting" em determinadas épocas do ano, quando a muda de penas torna o corpo mais sensível.
- Esse comportamento também pode servir como uma forma de marcação territorial olfativa ou até como ritual de relaxamento.
Conclusão
O "Anting" revela não só a inteligência das aves como o corvo, mas também um sofisticado entendimento do ambiente ao seu redor e um vínculo entre o comportamento animal e a medicina natural. É um testemunho impressionante da sabedoria instintiva da natureza — uma dança silenciosa entre o instinto e o cuidado próprio, entre o animal e os segredos químicos do solo.

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