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sábado, 5 de julho de 2025

Entre Arame Farpado e Eternidade: Viktor Frankl, o Sentido da Vida e o Ofício do Cuidado nos Campos de Concentração


“Quem tem um porquê para viver, suporta quase qualquer como.” — Viktor E. Frankl


1. Uma filosofia forjada no extremo

À entrada de Auschwitz o psiquiatra vienense Viktor Frankl trocou o jaleco pelo número 119 104, mas não abdicou da sua condição mais íntima: a liberdade de escolher o próprio posicionamento face ao sofrimento. Entre 1942 e 1945, passando por Theresienstadt, Auschwitz, Kaufering III e Türkheim, ele transformou o lager nazista num silencioso laboratório onde investigou a última reserva de autonomia humana — aquilo que chamou de vontade de sentido.


2. O laboratório do sofrimento

No cotidiano desumanizador do campo — a dieta de 300 calorias, as botas congeladas, as esteiras de trabalho até a exaustão — Frankl observava dois movimentos antagônicos: a degradação biológica do corpo e a expansão possível do espírito. Percebeu que:

  • A perda de sentido antecede a morte física — prisioneiros que fumavam suas últimas cigarettes não aguardavam mais o amanhã; haviam renunciado ao porquê.
  • O humor é a respiração da alma — ele e um colega combinaram “inventar uma piada por dia”, criando micro-fendas de transcendência no concreto do horror.

3. A gramática do cuidado: como Frankl ajudava outros prisioneiros

Embora destituído de instrumentos clínicos, Frankl erguia consultórios improvisados nas madrugadas gélidas dos barracões:

Estratégia de Frankl Prática no campo Intenção filosófica
“Shock Squad” (Esquadrão de Choque) Grupo de médicos e voluntários que acolhia recém-chegados em Theresienstadt, prevenindo surtos agudos de desespero e suicídio. Amparar a consciência no primeiro impacto, protegendo a centelha de liberdade interior.
Psicoterapia de corredor Conversas breves durante as marchas ou na fila da sopa; Frankl instigava o detento a lembrar de um filho, de uma obra inacabada ou da fé. Reativar o logos: o sentido singular que ancora a pessoa no futuro.
Educação existencial Incentivo ao estudo clandestino: aulas de filosofia, troca de poemas, relatos de ciência. Cultivar “alturas interiores” para contrastar a planície brutal da realidade externa.
Exemplo moral Recusou “ir ao fio” — o suicídio na cerca eletrificada — e convidava outros a fazer o mesmo pacto existencial. Demonstrar que a escolha final pertence ao sujeito, não ao carrasco.

4. Logoterapia in statu nascendi

Das observações empíricas emergiu a Logoterapia, terceira escola vienense de psicoterapia, ancorada em três pilares:

  1. Liberdade da vontade – o ser humano conserva um vão de escolha, ainda que mínimo.
  2. Vontade de sentido – mais profunda que o prazer (Freud) ou o poder (Adler).
  3. Sentido da vida – objetivo, situacional e sempre acessível, mesmo à beira do aniquilamento.

Frankl descreve essa descoberta como uma “arqueologia da esperança”: cavar sob os escombros para revelar a pedra fundamental do significado.


5. Entre destino e liberdade: um diálogo com a filosofia

  • Estoicismo revisitado — como Epicteto, Frankl distingue entre o que depende de nós (atitude) e o que não depende (condição externa).
  • Heidegger às avessas — se o pensador alemão vê o ser-para-a-morte como angústia, Frankl o converte em responsabilidade: a finitude exige que preenchamos o momento com sentido.
  • Agostinho e Kierkegaard — a interioridade, para Frankl, é lugar de decisão e testemunho, ecoando a noção de consciência como santuário inviolável.

6. Lições perenes para o século XXI

  1. Sofrimento não impede florescimento: ele pode ser transformado em tarefa — uma tarefa irrenunciável, porque única.
  2. Cuidado é ação política: mesmo sem poder institucional, Frankl criou micro-estruturas de saúde mental; cada gesto de escuta pode ser resistência.
  3. Sentido é relacional: costuma emergir quando o “eu” se volta a um “tu” (pessoa), a um “quê” (obra) ou a um “porquê” (valor).

Conclusão

Viktor Frankl saiu dos campos sem família, sem manuscritos e com 38 kg. Trouxe, porém, a prova viva de que “a última das liberdades humanas” subsiste para além de toda despossessão. Na era do excesso e do vazio, sua voz recorda: **não escolhemos sempre o cenário, mas elegemos a postura — e nela reside o poder de reencantar a existência.





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