"UMA ILHA DE MEMORÁVEIS LARANJAIS"
Na primeira metade do século passado, a citricultura era o principal cultivo da Zona Oeste carioca. Em Ilha de Guaratiba, muitos laranjais remanescentes prevaleceram até a década de 1990. Sobre o contexto agrícola do lugar neste período, vejamos o que tem a dizer a moradora Senhora Antonieta:
"Ilha de Guaratiba era um lugar de produção de legumes, frutas e hortaliças. Havia grandes bananais nas partes elevadas e imensos laranjais na baixada. Meu pai era um grande produtor de laranjas. Eram colhidas duas grandes remessas da fruta por ano para serem exportadas para os Estados Unidos. Quando começou a guerra, meu pai não teve mais para quem vender e a laranja deixou de ser exportada. Nessa época (década de 1940), meu pai começou a substituir parte do seu laranjal por verduras, legumes e outras culturas agrícolas" (Sra. Antonieta – 86 anos – dona de casa).
Como parcela considerável dos guaratibanos de longa tradição, Dona Antonieta é filha de portugueses. Seus pais chegaram à localidade em 1925, período em que o acesso a glebas consideráveis de terra ainda era relativamente fácil devido ao vazio humano que a espacialidade de então representava.
Nesse ínterim, a citricultura era praticada por boa parte dos grandes produtores agrícolas do lugar. Recém-chegado de Portugal, o pai da Sra. Antonieta não teve dúvida em se decidir pela produção de laranjas, uma vez que o grande mercado consumidor estadunidense era garantia do escoamento da grande produção.
Uma das descrições que o pesquisador Magalhães Corrêa faz em relação à porção espacial em tela neste período é “a região dos laranjais” (CORRÊA, 1936).
Qualificando ainda mais as palavras da Sra. Antonieta no que concerne o seu depoimento sobre os laranjais, consideremos livremente as elucubrações de Abreu (2008).
O pesquisador frisa que a produção citrícola agiu como grande freio à onda loteadora até a primeira metade do século passado, impedindo que alguns municípios da Baixada Fluminense e bairros da Zona Oeste tradicional do Rio de Janeiro fossem atingidos pela febre imobiliária de então.
Entretanto, com a eclosão do conflito mundial, as exportações entraram em colapso, pois toda a laranja era exportada em navios frigoríficos estrangeiros que não mais aportavam no Rio de Janeiro.
Ademais, a falta de armazéns frigoríficos e o transporte rodoviário deficiente das chácaras para a ferrovia conduziram ao apodrecimento das frutas nos pés, originando uma praga citrícola que dizimaria grande parte das plantações.
Ao findar a guerra, com a produção não atendendo mais ao mercado interno, a exportação da laranja foi proibida, conferindo o golpe de misericórdia nos que conseguiram conservar seus laranjais durante a crise. A partir de então, os laranjais foram substituídos pelos loteamentos em municípios como Nova Iguaçú e em bairros como Campo Grande.
Essa marcha urbanizadora, no entanto, não ocorreu em Ilha de Guaratiba, uma vez que muitos de seus laranjais foram mantidos para atender a demanda interna e os demais foram substituídos por uma diversificação de culturas agrícolas que passou a caracterizar o lugar como um verdadeiro cinturão-verde – grande produtor de hortifrutigranjeiros.
Fonte: Marcio Luis Fernandes (professor de geografia)
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