Um aspecto negligenciado da Biografia do Imperador Dom Pedro I do Brasil, e mais tarde Rei Dom Pedro IV de Portugal, foi seu longo histórico de conflitos com a Igreja e Religião Católica
Em 1822 após a partida do Rei Dom João VI e as vésperas da Separação do Brasil de Portugal, era do interesse da Maçonaria que o príncipe Dom Pedro I se iniciasse na sociedade secreta.
A 13 de Maio de 1822 a Maçonaria conferiu-lhe o título de defensor Perpétuo do Brasil.
Dom Pedro I também era membro de outra sociedade secreta, criada por José Bonifácio, o “Apostolado”, ou a “Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz”.
A Igreja Católica proibiu pela primeira vez os católicos de serem membros de organizações maçónicas e outras sociedades secretas em 1738 e católicos que se associaram publicamente ou apoiaram publicamente organizações maçónicas foram censurados com excomunhão automática. No Brasil desde 1818 eram proibidas e condenadas quaisquer sociedades secretas, seus livros, cadernos e catecismos.
Durante o processo de Independência Brasileiro do Reino Unido com Portugal, membros do episcopado e do clero católico em geral se dividiram em duas vertentes, uma parte apoiou a independência liderada Dom Pedro I e a outra se manteve leal ao Rei Dom João VI e as cortes de Lisboa da Revolução Liberal de 1820.
Três prelados nacionais se opuseram à coroação de Dom Pedro I: o Bispo de Salvador, Dom Frei Vicente da Soledade e Castro, o Primaz do Brasil, o Bispo D. Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré, de São Luís, Maranhão, e D. Romualdo de Souza Coelho de Belém, Grão Pará.
Devido à recusa do Primaz em coroar o novo imperador, essa tarefa acabou sendo assumida pelo 6° Bispo do Rio de Janeiro
Nas vésperas da Independência, o Brasil contava com sete dioceses. Vários bispos que governavam essas dioceses se manifestaram oficialmente em relação à revolução liberal, também conhecida como Regeneração da Nação Portuguesa. Todas apoiavam a revolução e a elaboração de uma constituição, desde que se mantivesse a Igreja Católica unida ao estado, como religião oficial.
As pastorais dos bispos do Pará, Maranhão e Bahia, defendiam que o poder central deveria permanecer em Lisboa e resistiam, com suas províncias, contra a Independência do Brasil.
O único bispo brasileiro nato, Dom Romualdo de Sousa Coelho, de Belém, Grão Pará (1821-1841), convocou em carta pastoral de 20 de dezembro de 1821 pela lealdade a Portugal, depois de ter votado em Lisboa em 1821 pela relegação do Brasil à condição de provincia do Reino Unido, como membro das Cortes.
Seu temperamento enérgico fê-lo agir com mão de ferro para conter a indisciplina . Mandou prender e fuzilar os mais indomados , civis e militares de uma revolta em Belém e Muaná dando apoio à Independência do Brasil controlando , assim , a situação.
Somente em 1823, sob pressão militar da nova Marinha Imperial juntou-se a Dom Pedro I e chegou a assumir a presidência da primeira junta governante do Grão Pará.
Já o bispo do Maranhão, Joaquim de Nosso Senhor do Nazaré (1820-1823), aceitou em 1822 a eleição para a presidência da junta leal a Portugal, e opôs-se abertamente a Dom Pedro I ordenando combater os separatistas, sendo único prelado a resistir ao movimento da Independência militarmente
Em 1823, após a queda do Maranhão, recusou-se mesmo a prestar juramento de lealdade a Imperador Pedro I, levando-o ao exílio. Retornaria a Portugal, para ser Bispo de Coimbra, em maio de 1824.
Como consequência, em 1825, de seis bispados e duas prelazias, apenas as duas sedes episcopais do Rio de Janeiro e do Pará e a prelatura de Goiás estavam ocupadas. Uma parte significativa do Clero das províncias do Norte -Pará, Bahia, Piauí e Ceará - continuavam fiéis às cortes de Lisboa, diferente do Sudeste, especialmente no Rio de Janeiro, houvesse unanimidade em torno dessa decisão.
No período do Primeiro Reinado, boa parte das Dioceses no Brasil entraram em estado de total abandono.
Pouco depois da proclamação da Independência de Portugal, o recém-criado Império do Brasil solicitou à Santa Sé a manutenção do regime do padroado, fazendo com que o Imperador do Brasil passasse a ocupar o papel que até então cabia ao monarca português. O imperador, desejava obter para o Brasil os mesmos privilégios concedidos pela Santa Sé a outras monarquias católicas da Europa, como Lisboa, Madrid, Paris ou Viena. Para a missão em Roma foi nomeado Ministro plenipotenciárío, aos 7 de agosto de 1824, Mons. Francisco Corrêa Vidigal, com o encargo de tratar na Cúria Romana assuntos políticos e religiosos, visto que ela se revestia então do duplo caráter político e religioso, uma vez que ainda existia o Estado pontifício
. Nas instruções de 7 de agosto de 1824, D. Pedro I ordenava a Vidigal que não cedesse a nenhuma exigência papal que limitasse o seu poder sobre as esferas de atuação da Igreja. O imperador brasileiro solicitava ao papa o grão-mestrado da Ordem de Cristo, mencionando também a vantagem que teria a Santa Sé em manter sob a responsabilidade do governo o recebimento dos dízimos. Além disso, solicitava para o Brasil uma nunciatura de primeira classe, para que no futuro pudesse exercer o direito de apresentar um candidato a cardeal, quando houvesse a nomeação do núncio apostólico para o Rio de Janeiro.
A Santa Sé só pretendia reconhecer o Império do Brasil como Estado independente depois que Portugal e outros países o fizessem
A resposta da Santa Sé veio somente, em 1827, por meio da bula “Praeclara Portugaliae Algarbiorunque Regnum,” de 27 de Maio de 1827, concedida pelo Papa Leão XII que estabelecia o regime do padroado no Brasil Independente. Nessa mesma Bula Leão XII concedeu a Pedro I a Carta Apostólica que lhe conferia o direito de apresentar Bispos para as dioceses já criadas no Império.
É interessante salientar que, se por um lado, através do padroado o Estado fica como protetor da igreja, por outro, a igreja fica com a liberdade tolhida. É o que afirma Juan Esquivel, para quem o instituto do padroado "ocasionou um sufocante abatimento do catolicismo no Brasil”, deixando o poder eclesiástico cada vez mais submisso ao poder político, o que contribuiu para que a relação entre esses poderes fosse de crescente oposição.
Durante o Império, vemos surgir duas tendências reformistas da Igreja em franca oposição ideológica. De um lado, o movimento que pode ser chamado de regalista, nacionalista e liberal, dirigido por um grupo muito ativo e expressivo do clero paulista entre os anos de 1826 e 1842 em direção a formação de uma Igreja nacional. Do outro lado, os clérigos ligados a Roma, respeitando as diretrizes do Concílio de Trento. Seus integrantes, que iriam prevalecer no final do Império propunham uma Igreja mais centralizada com nítidas compreensões doutrinárias e disciplinárias.
Durante o conflito com seu Irmão Dom Miguel I que gerou o estopim da Guerra Cívil Portuguesa (1828-1834), entre Liberais e Absolutistas, Dom Pedro I, tentou convencer o Papa Gregório XVI a apoiar a causa de sua Filha Dona Maria II como Rainha Legítima de Portugal, porém sem sucesso.
A recusa do Papa em apoiá-lo levou à sua defesa da aplicação das ideias preponderantemente anticlericais e maçonizantes que marcaram a História de Portugal no Século XIX.
No contexto que se seguiu à assinatura da Convenção de Évora Monte, o então Ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar, redigiu o texto do Decreto de extinção das Ordens Religiosas que, assinado por Pedro IV de Portugal, embora apresente a data de 28 de maio, foi publicado em 30 de maio de 1834.
Por esse diploma, eram declarados extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares (art. 1.º), sendo os seus bens secularizados e incorporados na Fazenda Nacional (art. 2.º),
Seu conflito com o clero português, que era em sua maioria simpático ao irmão Dom Miguel, lhe rendeu a excomunhão pelo Papa Gregório XVI em 1834, meses antes de sua morte
A partir de 1834 o governo liberal português que concebia um catolicismo autonomizado de Roma, antiultramontano, corta relações diplomáticas com o Vaticano, só sendo reatadas a 30 de julho 1848 pela Rainha Dona Maria II restabelecimento da paz religiosa na sociedade.
O conflito final de Dom Pedro I com o Papa se resume nas seguintes datas e eventos:
12/10/1831 – D. Pedro I envia uma carta ao Papa Gregório XVI, protestando contra o apoio da Santa Sé ao Rei de Portugal, D. Miguel I. Avisa que jamais aceitará os bispos por ele nomeados com aval da Cúria Romana [FERREIRA, José Augusto. 'Memórias para a historia d'um scisma (1832-1842)'. Braga: Cruz & Ca., 1971, p. 414]
16/10/1833 – Estando a guerra civil próxima do fim, o Papa dispõe que serão consideradas nulas todas as deliberações de D. Pedro I em matéria eclesiástica [MOREIRA, Antonio Montes. 'A restauração da província franciscana de Portugal em 1891'. Archivo Ibero-Americano, ano 42, nº 165-168, 1982, p. 517]
04/02/1834 – Decreto de D. Pedro I extingue a Santa Igreja Patriarcal de Lisboa, tendo em conta o relatório elaborado pela Secretaria de Estado dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça [SILVA, Luís Eduardo Nicolau Marques da. 'De Hintze a Afonso Costa: o fenómeno (anti)clerical na imprensa madeirense (1901-1910)'. Universidade da Madeira – Dissertação de Mestrado, 2016, p. 37]
08/02/1834 – Gregório XVI reage excomungando D. Pedro I [AZEVEDO, Carlos Moreira & VEIRA, Domingos. 'Ordem dos eremitas de Santo Agostinho em Portugal (1256-1834)'. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa, 2011, p. 123]
30/05/1834 – O governo expulsa as ordens religiosas e confisca "todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer outras casas" pertencentes a elas. Édito de execução imediata, sem vacatio legis. Ninguém teve prazo para sair, as pessoas foram despejadas. "Há registro de que muitos religiosos saíram cobertos com mantas e descalços e que os próprios doentes e paralíticos tiveram que abandonar o leito das enfermarias".
01/08/1834 – O Papa Gregório XVI protesta contra a perseguição governamental à Igreja em Portugal. A essa altura D. Miguel achava-se exilado na Itália, sem um tostão. Não sofreu maiores privações porque pôde contar com a caridade do Papa, que concedeu-lhe uma mesada e um apartamento no Palácio Capponi, em Florença [SANMARTINI, Giulio. 'Casa de Bragança, Casa de Habsburgo'. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1998, p. 42]
24/09/1834 – D. Pedro I morre excomungado.
Fonte: Missas constitucionais: clero, religião e poder na Independência. Edna Maria Matos Antônio
Professora do Departamento de História/Mestrado em História Universidade Federal de Sergipe (UFS)
/OS BISPOS E A REVOLUÇÃO A Revolução do Porto sacudiu o império português e exigiu dos bispos no Brasil um posicionamento frente ao constitucionalismo e a independência. Ítalo Domingos Santirocchi/
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