No coração do interior de Minas Gerais, durante o século XIX, a vasta propriedade dos Aimos era sinônimo de poder e riqueza. Augusto Aimos II, o patriarca, construíra seu império nas costas dos escravos, cuja dor e sofrimento manchavam cada grão de café colhido. Sua indiferença cruel ecoava pelos corredores de sua mansão opulenta, onde ele se orgulhava de um único objetivo: garantir que sua fortuna e seu nome perdurassem por gerações. O legado que deixaria para seus filhos, Joaquim, Beatriz e Henrique, não era apenas uma fortuna material, mas algo muito mais sombrio.
Quando Augusto morreu de forma repentina, dizem que o próprio céu escureceu como se a terra rejeitasse sua alma. Durante a leitura do testamento, o ar da sala ficou pesado. Entre os termos e os bens listados, uma mensagem enigmática foi lida: “Minha riqueza é um fardo. Quem desonrar meu nome será condenado.” O aviso parecia uma ameaça, mas a ganância dos herdeiros sufocou qualquer temor. Mal sabiam eles que aquela maldição começaria a despertar, silenciosa e faminta.
Nos dias que se seguiram, uma atmosfera de inquietação envolveu a propriedade. O primeiro a sucumbir foi Joaquim. Encontrado morto em seu escritório, seus olhos estavam vidrados, e sua boca, aberta em um grito eterno. Nenhum médico conseguiu explicar sua morte, mas os servos sussurravam sobre o barulho de correntes arrastando-se pelos corredores na noite anterior. Em seguida, Beatriz morreu em um acidente de carruagem, mas testemunhas juravam que, antes do impacto, viram sombras envolvendo a carruagem como tentáculos famintos.
Henrique, o mais jovem, agora era o único sobrevivente dos três filhos. Ele começou a ver figuras em seus sonhos: corpos mutilados, rostos sem vida, mãos espectrais que se estendiam para ele, clamando por justiça. As sombras que ele via não eram mais apenas visões; elas o seguiam pela casa, sussurrando em uma língua antiga e morta. A cada dia, a loucura se aproximava mais, e Henrique sabia que o próximo a cair seria ele.
Enquanto isso, Clara, a neta de Augusto e única inocente naquela família, brincava nos jardins que antes eram cheios de risos e alegria, mas agora estavam envoltos em um silêncio opressor. Certa noite, Clara ouviu sussurros no vento. Eles vinham do coração dos antigos cafeeiros, onde escravos foram enterrados em covas rasas, sem lápides, sem memória. A curiosidade infantil a levou até o antigo armazém da fazenda, onde o ar era sufocante e o cheiro de ferrugem e mofo parecia carregar um peso quase palpável.
Dentro do armazém, sombras começaram a tomar forma, e dos cantos escuros surgiu uma figura espectral. Era um homem, sua pele marcada por chicotadas e seus olhos brilhando com uma fúria contida por décadas. Ele ergueu o rosto para Clara, sua voz ecoando como um trovão abafado: “Você é a última dos Aimos. Sua família prosperou com nosso sangue. Agora, pagará o preço.”
Clara, aterrorizada, tentou fugir, mas seus pés pareciam presos ao chão. As sombras a envolviam, sussurrando horrores indescritíveis, mostrando-lhe imagens das torturas que seu avô infligira. Em pânico, ela gritou: “Eu não sou como eles!” Mas as sombras não se importavam. Para elas, o sangue dos Aimos era impuro, e ela era a última peça de um quebra-cabeça amaldiçoado.
Em um momento de desespero, Clara lembrou-se das palavras de seu avô sobre a maldição. Ela sabia que havia apenas uma maneira de quebrar o ciclo: renunciar à herança. Com as sombras apertando seu corpo frágil, ela gritou: “Eu escolho libertar minha família! Que a fortuna dos Aimos seja esquecida para sempre!”
As palavras ecoaram, e o armazém começou a desmoronar ao seu redor. As paredes estremeceram, e as sombras soltaram gritos agudos enquanto se dissipavam no ar. No centro da tempestade de poeira e escuridão, o espírito do escravo sorriu, finalmente libertado. Mas Clara não estava a salvo. Quando a última sombra se foi, a luz que preenchia o armazém se apagou, e ela desapareceu junto com o mal que assombrava sua linhagem.
Na manhã seguinte, a mansão Aimos estava vazia. Os vizinhos encontraram a propriedade envolta em uma névoa densa, e aqueles que ousaram entrar juraram ter visto o rosto de Clara nas janelas, com olhos negros como a noite, observando-os. O nome Aimos, uma vez temido e respeitado, desapareceu das conversas, mas as lendas nunca morreram.
Dizem que, nas noites mais escuras, uma figura infantil caminha entre os antigos cafeeiros, com risos suaves e olhos vazios, carregando o peso de uma herança que deveria ter sido esquecida. Os poucos que a viram juram que ela não é mais uma criança, mas uma sombra do passado, eternamente presa entre a vida e a morte, como uma advertência para aqueles que ousam se esquecer dos pecados de seus ancestrais.
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