Localização
As Filipinas são um arquipélago no Sudeste Asiático composto de mais de 7.000 ilhas, localizado entre o Mar das Filipinas e o Mar da China Meridional. Esse território nada contíguo é dividido em três grupos principais de ilhas: Luzon (no norte), Visayas (no centro) e Mindanao (no sul). Eu morei por alguns meses na capital, Manila, uma das cidades mais populosas do mundo (as Filipinas têm quase 100 milhões de habitantes), dividindo-me entre a vizinhança de Makati City, onde residia (aka o Leblon de Manoel Carlos filipino), e a de Quezon City (aka Madureira pinay – adjetivo que se refere a quem tem ascendência filipina), ambas na grande região de Metro Manila.
LÍNGUA
As Filipinas estiveram sob a influência espanhola por quase 4 séculos e foram um território estadunidense por 50 anos. Assim, pode-se concluir que todos os habitantes falam espanhol correntemente, certo? Não: os filipinos são fluentes em inglês e do espanhol herdaram apenas os nomes próprios, as placas de ruas e as denominações de alguns objetos. O tagalog (ou filipino) e o inglês são as duas línguas oficiais do país (dentre cerca de 80 idiomas falados no arquipélago).
Percebi que um dos indicadores sociais por lá era, justamente, o sotaque do inglês: quanto maior a verossimilhança com o acento norte-americano, maior a possibilidade de a pessoa pertencer a uma classe econômica privilegiada. Desse modo, desenvolvi (de início, de forma inconsciente; depois, ao me dar conta, voluntariamente) o meu próprio sotaque de inglês – algo próximo do acento do Borat – o que provavelmente deixava os pilipinos imaginando que eu vinha de um lugar muito underground.
COMIDA
Eu sempre fui fã da gastronomia como esporte radical; assim, não me assustei com a imersão na cozinha asiática. A comida filipina, em especial, não é das mais saborosas – me lembrou muito meus elaborados jantares, preparados sob a égide de receitas de Paulo Tiefenthaler, do Larica Total (“cozinha de guerrilha”). Mas, estando cercada de tantas boas cuisines internationales, me diverti muito: fui a restaurante indiano, cingapurense, persa, tailandês, japonês. Muitas vezes pedia a comida sem fazer ideia do que vinha, de propósito, só pra ter a surpresa.
No entanto, confesso que de vez em quando era brabo. Um dia recebi peixe frito com arroz para o meu café da manhã e, em outro, pensei ter pedido uma simples salada de manga com caranguejo desfiado e foi-me servido um primo do sarapatel. Quando descobri um fast food francês quase chorei de emoção por poder comer uma salada pela primeira vez, após um mês.
Além disso, sempre achei que não tinha frescura de comer qualquer bicho esquisito, legume exótico ou comida folclórica. Até o dia em que fui conhecer Binondo, a primeira Chinatown do mundo (localizada em Manila), quando encontrei a fronteira que separa homens de crianças. E bati em retirada para o McDonald’s.
A propósito, a primeira comida estragada na Ásia a gente nunca esquece.
BEBIDA
Na linha das experiências gustativas, tive a oportunidade de tomar o pior refrigerante do mundo: Sarsi. Feito de salsaparrilha e vendido apenas no Sudeste Asiático, sua fábrica foi comprada pela Coca-Cola – evidentemente que toda essa informação eu só obtive após ter ingerido 10ml da gasosa, buscando no Wikipedia, instigada por saber de que era feito aquele líquido repugnante.
VESTUÁRIO
A despeito da larga influência ocidental, em um aspecto os filipinos mantêm tanto a sua tradição quanto a coerência com o clima dos trópicos: quando se trata de vestimenta formal. Nada de terno calorento, à la inglesa – nos compromissos oficiais os homens filipinos usam o barong tagalog. Homens pinoy sapateando – com louvor – na cabeça do macaquismo praticado pelos demais países periféricos.
ESPORTE
O esporte nacional é o basquete – o que me causou muita impressão, uma vez que a estatura média da população é de cerca de 1,55m. Há quadras de basquete por todos os lados (há a conveniência de elas serem menores e, assim, poderem ser mais numerosas e abrigarem mais filipinos, que são muitos). Segue-se, nessa preferência, o boxe inglês, certamente reflexo do soft power americano. De futebol, nem sinal.
Contemporaneamente, parece que os filipinos elegeram a corrida como atividade física preferida. Ao cair da noite (não sei se isso se relaciona com a obsessão nacional por uma pele clara, o que contarei posteriormente), saem pessoas de todos os cantos pra correr nas praças e calçadas.
RELIGIÃO
Os Filipinos são de uma religiosidade que nunca vi: sejam católicos (cerca de 80 por cento), sejam muçulmanos (aproximadamente 10 por cento), todos se dedicam com a maior honestidade de propósito à metafísica.
Certa vez, fazendo as unhas, em um dado momento todos no salão de beleza pararam suas atividades para fazer uma prece, acompanhados pela transmissão no rádio. No feriado da Páscoa – que lá começa naquinta-feira -, todo o comércio e serviços fecham as portas por 2 dias, período em que as pessoas se dirigem às igrejas ou às casas de seus familiares, no interior. Eu mesma me senti compelida a participar: fui à Penha local, Quiapo, e fiz a Visita Iglesia – uma peregrinação nas igrejas próximas. Pessoas acompanham em caravanas levando cruzes; outros se autoflagelam; uns poucos, mais radicais, se crucificam (ressalva: a prática é desencorajada pelo catolicismo e proibida a não-Filipinos). De impressionar a massa de católicos-não-praticantes brasileiros.
RELATIVISMO CULTURAL
Sei que diferença cultural é algo a se respeitar. Mas confesso que não me senti confortável nas algumas oportunidades – até então inéditas na minha vida – em que me deparei com mulheres usando niqab, aquele pano preto que cobre as mulheres da cabeça aos pés, deixando, apenas, uma fenda para os olhos. Há um considerável fluxo de muçulmanos no país, seja de nacionais – as filipinas muçulmanas são mais adeptas dohijab, véu que cobre apenas os cabelos e pescoço -, seja de estrangeiros – o país tornou-se um inegávelhub de turismo e de negócios no Sudeste Asiático. Imagino que seja a mesma consternação que a visão de uma mulata semi-nua sambando na Sapucaí deve causar aos mais conservadores visitando o Rio. Mas, ainda assim, sinto-me bem mais à vontade com popozudas de shortinho, habitués aqui do purgatório da beleza e do caos.
TRANSPORTE
Há muitos meios de transporte nas Filipinas. A grande dificuldade é conseguir circular no trânsito enlouquecedor. Sim, amigos: há congestionamentos piores do que os de São Paulo.
O meio de transporte mais conhecido – e exclusivo desse país – são os Jeepneys. Afora terem a tarifa mais barata dentre as demais opções, eles param em qualquer lugar para embarque e desembarque. Além disso, essa gambiarra automotiva – os jeepneys são os Jeeps usados pelas tropas americanas durante a II Guerra Mundial “alongados” – é um charme. Dentro dele cabem 20 passageiros filipinos – o correspondente a 8 brasileiros, no máximo.
Outro modal são os Trycicles (do gênero dos pedicabs ou rickshaws). Gente, esse é o melhor meio de transporte do mundo: quando eu descobri que eu poderia usá-los pra chegar no meu trabalho em Quezon City/Madureira (eles não circulam em Makati City), eu fiquei realizada!
Houve ainda um dia em que eu tomei outra condução em direção ao trabalho: uma carona na moto do MMDA officer – o correspondente ao nosso Guarda Municipal. Foi só emoção no transporte filipino, rs.
ESTRANHEZAS
É aquele lance da relatividade cultural: as coisas são certas ou erradas dependendo do lugar aonde você está. Aparentemente, nas Filipinas arroto e flatulência em público não só não são inadequados, como, às vezes pensava, são endossados. Por outro lado, percebi um certo desconforto com espreguiçamento ou bocejo na rua. Vai entender.
Banda cult filipina – Ang Bandang Shirley