"Vejo a tilápia em sua verdadeira natureza, guiando o veloz barco em suas águas.”
~ Do Livro da Saída para a Luz, mais conhecido como O Livro dos Mortos, 2º ou 1º milênio AC
Aqui no Nordeste do Brasil a tilápia é um peixe muito popular. Tilápia é o nome comum dado a várias espécies de peixes ciclídeos de água doce pertencentes à subfamília Pseudocrocidolita e em particular ao gênero Tilápia. São nativos da África, mas foram introduzidas em muitos lugares nas águas abertas da América do Sul e sul da América do Norte, por serem fáceis de cultivar. E, a Tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus) é uma das espécies mais procuradas para criação em escala industrial, por apresentar rápido crescimento, grande rusticidade, fácil manejo e alto nível de rendimento. Além disso, possui carne de ótima qualidade, poucas espinhas e de bom paladar (por esses motivos intensificou-se, por exemplo, o cultivo de Tilápias do Nilo no estado de São Paulo começou a partir de 1996).
Mas hoje vamos voltar ao Nilo, para tratar de mais uma descoberta arqueológica feita em uma tumba do alto Egito que data de cerca de 3500 a 4000 AC.
Diferentemente de uma múmia típica, que teria seus órgãos em potes canópicos, os restos mortais mumificados de um homem foram encontrados com o aparelho digestivo intacto. Isso permitiu que pesquisadores pudessem até ver qual foi a última refeição da múmia: um ensopado simples de cevada, cebolinha e tilápia.
Tilápia do Nilo: um alimento básico egípcio antigo associado ao renascimento
A tilápia do Nilo era um alimento básico e ícone cultural há milhares de anos para os antigos egípcios. Os peixes que eles pegavam com redes ou arpavam no rio Nilo apareceram em sua arte e religião, bem como em seus pratos, tornando-o uma das primeiras espécies de peixes a serem cultivadas. Muito parecido com as fazendas de tilápia ao redor do mundo hoje, eles também criaram tilápia em tanques fechados para facilitar o acesso.
A tilápia era uma tal característica da vida que tinha até seu próprio hieróglifo. Tumbas egípcias apresentam os peixes em lagoas e também era uma forma popular para frascos egípcios antigos e paletas de maquiagem. As pessoas acreditavam que o peixe era um guia para o barco solar do deus-sol Rá, enquanto ele navegava pelo céu para alertar sobre a aproximação da serpente Apófis na viagem ao submundo. O peixe tilápia também estava associado ao renascimento e à renovação, por isso sua semelhança às vezes era costurada em mortalhas.
O historiador grego Heródoto observou em 440 AEC o quanto os egípcios cuidavam de seus animais. Eles os deixaram dormir em suas casas, prantearam quando morreram e os adoraram como deuses vivos. Não é nenhuma surpresa, então, que a tilápia do Nilo tivesse esse destaque na cultura, arte e religião egípcia tão proeminentemente quanto na dieta egípcia.
Além disso, a tilápia estava ligada a Hathor, a deusa do amor e das mulheres e um símbolo da fertilidade. As pessoas usariam amuletos representando os peixes tilápia para tentar aumentar sua própria fertilidade. Essa associação incomum pode ser explicada por um aspecto estranho do comportamento da tilápia. Os peixes bebês nadam na boca da mãe para proteção logo após a eclosão ou quando o perigo se aproxima. Depois que sua preocupação passa, os pequenos emergem. Essa peculiaridade da natureza pode ter sido mal interpretada pelos antigos egípcios como um fenômeno de renascimento milagroso ou como uma prática incomum de nascimento.
A cevada, era outro ingrediente principal desta receita, era uma cultura fundamental para os antigos egípcios e um dos primeiros grãos cultivados no mundo. No Antigo Egito, era comido como um grão por si mesmo e também usado para fazer pão e cerveja. Acevada era um alimento básico nas dietas egípcias antigas e muitos acreditavam que sua dieta seria completa se consumissem pão de cevada e cerveja. Os antigos egípcios foram uma das primeiras civilizações a fabricar cerveja, e ela era consumida por todos os níveis da sociedade.
Os egípcios não teriam reconhecido a tilápia de supermercado de hoje, branca, limpa e selada a vácuo.
Os egípcios não apenas consumiam todas as partes do peixe, mas comiam apenas a tilápia escura, agora conhecida como "tipo selvagem".
A cor de uma tilápia não afeta seu sabor, mas como muitos consumidores modernos preferem peixe branco, a pesca comercial agora não depende da "tilápia vermelha" rosada. Esses peixes foram criados seletivamente para uma deficiência genética de pigmento chamada leucismo, a mesma mutação que produz tigres brancos. E a modificação da tilápia cultivada não para com seus genes. Manter esses antigos símbolos de fertilidade em grupos mistos leva a um crescimento populacional incontrolável, então os fazendeiros de hoje dão aos bebês assexuados alimentos de tilápia misturados com hormônios, fazendo com que a maioria deles se desenvolvam em machos.
Também há uma diferença entre a receita a seguir com da culinária tradicional egípcia, como a última refeição consumida pela múmia mencionada acima. Um autêntico ensopado de cevada e tilápia egípcio antigo seria cozido usando o todo: ossos de peixe, barbatanas, escamas e tudo. Ao usar filés de tilápia, esta versão fica mais acessível e possivelmente mais saborosa para o cozinheiro moderno, que adapta uma receita antiga à sua própria mesa de jantar.
Essa receita que segue abaixo receita foi modificada de Cooking in Ancient Civilizations de Cathy Kaufman (2006), uma das minhas fontes favoritas de receitas antigas reconstruídas.
Se você conseguir encontrar uma tilápia inteira ou um peixe branco suave como o bagre ou a dourada, use-a. Como uma mulher sábia disse uma vez, não tenha medo de espinhas de peixe, especialmente na sopa! Elas adicionam um sabor extra e, quando o peixe é devidamente cozido, a carne cai facilmente do osso.
Outro adendo importante é que muitas redes de pisciculturas contribuem para a poluição da água e a propagação de doenças dos peixes, mas algumas têm menos impacto do que outras. Então, se puder, compre de um pescador artesanal ou escolha um fornecedor mais ecologicamente correto.
Ensopado de tilápia egípcio
-1/2 xícara de cevada
-3 xícaras de água
-4 ramos cebolinha, lavada e fatiada (use toda a cebolinha, incluindo a raiz. As raízes darão mais sabor à sopa e serão removidas antes de servir).
-2 filetes de tilápia ou 1 tilápia inteira limpa (ou peixe branco semelhante)
-sal a gosto
Lave a cevada e coloque em uma panela com água. Deixe ferver, acrescente apenas as raízes das cebolinhas e cozinhe por 30 minutos. Use uma colher para retirar a espuma que sobe (o excesso de amido da cevada).
Remova as raízes da cebolinha. Corte a tilápia em pedaços (se estiver usando um peixe inteiro, guarde a pele, os ossos e as nadadeiras). Adicione o peixe à água e cozinhe por cerca de 10 minutos em fogo médio. Abaixe o fogo, acrescente o restante da cebolinha e cozinhe por mais 5 minutos.
Prove e adicione sal conforme necessário. Servir quente.