Segundo alguns historiadores a igreja da Remédios que existia na Praça João Mendes originou-se da capela de São Vicente Ferreira que foi erguida por um personagem curioso na história do Brasil, protagonista de um episódio um tanto esquecido, o roubo dos quintos reais.
Estamos falando de Sebastião Fernandes do Rego, aventureiro português que aportou ao Brasil com um único objetivo, ficar rico, seja lá como fosse. Rico sem dúvida ficou, porém à custa de uma vida plena de crimes, manipulações e trapaças.
Seu primeiro grande golpe foi sobre os irmãos Leme, outros aventureiros que também não tinham nada de santos. Sebastião Fernandes do Rego simplesmente ganhou a confiança dos irmãos, apropriou-se de todo o ouro que haviam garimpado e ainda com suas tramoias provocou a condenação à morte de suas vítimas e o sequestro de seus bens. Não havia muito a sequestrar, uma vez que Sebastião havia furtado todo o ouro. Quando o golpe foi descoberto, mais uma vez, Sebastião se safa com suas tramoias e consegue sair ileso sem devolver um tostão.
Graças à sua lábia tornou-se confidente do então capitão-general da capitania, Rodrigo César de Menezes, e chegou a ocupar o cargo de Provedor-Mor, responsável, entre outras coisas pela arrecadação dos quintos sobre o ouro e emissão do correspondente recibo pelo ouro já quintado, ou seja, com o imposto pago.
Era a raposa tomando conta do galinheiro. Ouviam-se histórias de arrepiar. Garimpeiros que pagavam os quintos e ficavam sem recibo tendo de pagar duas vezes, outros que eram forçados a vender o ouro por preços aviltados, e por aí vai. Essa lambança toda fazia o Provedor-Mor da Fazenda Real lá em Ytu.
A esta altura o amigo que me acompanha deve estar se perguntando de onde vinha tanto ouro. Portanto vamos esclarecer que na época em questão a Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, que era seu nome completo, abrangia um território que compreende aproximadamente aos atuais estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rondônia.
Para coibir a roubalheira, a coroa portuguesa resolve reativar a Casa de Fundição de São Paulo dentro do Palácio do Governo e determina que os quintos sejam cobrados somente no Palácio. Determina ainda mais, que as barras de ouro já quintadas sejam marcadas com o selo real na presença do Provedor, do Escrivão e do Tesoureiro, ficando proibida a circulação de ouro em pó.
Lá vem o trambiqueiro para São Paulo e aproveita-se da ausência do capitão-general que andava pelos lados de Cuiabá para lambuzar-se em mais gatunices.
Desta feita os garimpeiros não reclamaram por entregar o ouro para ser marcado pelo Provedor-Mor, ao contrário, preferiam entregá-lo, às ocultas, na casa de Sebastião do Rego a fazê-lo na Casa de Fundição. Sebastião quintava o ouro por sua própria conta e ainda entregava as barras marcadas com o sinete real pela metade do preço que cobrava a Casa da Fundição.
Chegou-se a aventar que Sebastião tinha, de alguma forma, conseguido cunhos falsos com o sinete. Porém a verdade é que Sebastião tinha chaves falsas do cofre da Casa da Fundição e furtava os cunhos originais sempre que precisava cobrar seus quintos particulares e marcar as barras.
Em 1727 chegava a São Paulo um novo governador, Antônio da Silva Caldeira Pimentel. O Trambiqueiro-Mor deve ter passado alguns dias na expectativa, matutando como enganar mais um. Porém suas preocupações logo passaram, pois o novo governante logo revelou-se farinha do mesmo saco. Também tinha vindo ao Brasil com o único objetivo de enricar a qualquer custo.
Foi assim que tramaram uma gatunice que ficou famosa. Logo na primeira remessa dos quintos reais a Portugal, substituíram a carga de ouro por chumbo. É possível imaginar a vergonha do rei D. João V lá em Lisboa, quando manda abrir os caixões, na presença de seus ilustres convidados e dá de cara com todo aquele chumbo cinzento em vez das esperadas barras douradas.
Demorou um pouco, mas Sebastião do Rego acabou preso e levado à prisão do Limoeiro em Lisboa. Mas gastou uma pequena parte da fortuna que já tinha acumulado distribuindo favores e propinas e logo retorna livre e feliz ao Brasil. Foi na época de sua prisão que mandou construir a capela que futuramente seria a Igreja dos Remédios. Dizem que foi promessa.
Aqui, o gatuno teve a prisão decretada novamente, mas não chegou a ir para a cadeia porque acabou morrendo de causas naturais antes.
A história deste personagem foi narrada de forma romanceada por Paulo Setúbal na obra Os Irmãos Leme.
A história do gatuno Sebastião do Rego é verdadeira e bem documentada. Já o pesquisador Nuto Sant’Anna em artigo publicado na revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de 1937 refuta a tese de que aquela capela tenha dado origem à igreja da Remédios.