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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Supremo Tribunal Federal libera marcha da maconha

STF libera “marcha da maconha”

Em decisão unânime (8 votos), o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a realização dos eventos chamados “marcha da maconha”, que reúnem manifestantes favoráveis à descriminalização da droga. Para os ministros, os direitos constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento garantem a realização dessas marchas. Muitos ressaltaram que a liberdade de expressão e de manifestação somente pode ser proibida quando for dirigida a incitar ou provocar ações ilegais e iminentes.

Pela decisão, tomada no julgamento de ação (ADPF 187) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o artigo 287 do Código Penal deve ser interpretado conforme a Constituição de forma a não impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas. O dispositivo tipifica como crime fazer apologia de "fato criminoso" ou de "autor do crime".

O voto do decano da Corte, ministro Celso de Mello, foi seguido integralmente pelos colegas. Segundo ele, a “marcha da maconha” é um movimento social espontâneo que reivindica, por meio da livre manifestação do pensamento, “a possibilidade da discussão democrática do modelo proibicionista (do consumo de drogas) e dos efeitos que (esse modelo) produziu em termos de incremento da violência”.

Além disso, o ministro considerou que o evento possui caráter nitidamente cultural, já que nele são realizadas atividades musicais, teatrais e performáticas, e cria espaço para o debate do tema por meio de palestras, seminários e exibições de documentários relacionados às políticas públicas ligadas às drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas.

Celso de Mello explicou que a mera proposta de descriminalização de determinado ilícito penal não se confunde com o ato de incitação à prática do delito nem com o de apologia de fato criminoso. “O debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa”, ponderou.

Mesmo acompanhando o relator, o ministro Luiz Fux achou necessário estabelecer parâmetros para a realização das manifestações. Fux ressaltou que elas devem ser pacíficas, sem uso armas e incitação à violência. Também devem ser previamente noticiadas às autoridades públicas, inclusive com informações como data, horário, local e objetivo do evento.

Ele acrescentou ser “imperioso que não haja incitação, incentivo ou estímulo ao consumo de entorpecentes” durante a marcha e deixou expresso que não pode haver consumo de entorpecentes durante o evento.

Por fim, ressaltou que crianças e adolescentes não podem ser engajados nesses eventos. “Se a Constituição cuidou de prever a proteção dos menores dependentes químicos, é corolário dessa previsão que se vislumbre um propósito constitucional de evitar tanto quanto possível o contato das crianças e dos adolescentes com a droga e com o risco eventual de uma dependência”, afirmou.

Nesse ponto, o ministro Celso de Mello observou que o dispositivo legal que estabelece o dever dos pais em relação a seus filhos menores é uma regra que se impõe por si mesma, por sua própria autoridade. Ele acrescentou que demais restrições impostas a eventos como a “marcha da maconha” estão determinados na própria Constituição.

A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha acompanhou o voto do relator citando a seguinte afirmação de um jurista americano: “Se, em nome da segurança, abrirmos mão da liberdade, amanhã não teremos nem liberdade nem segurança”. Ela manifestou simpatia por manifestações de rua e lembrou que, há 30 anos, sua geração era impedida de se expressar pela mudança de governo na Praça Afonso Arinos, contígua à Faculdade de Direito, em Belo Horizonte (MG), onde a ministra se formou.

Segundo Cármen Lúcia, é necessário assegurar o direito de manifestação sobre a criminalização ou não do uso da maconha, pois manifestações como essas podem conduzir a modificações de leis.

Liberdade de reunião

O ministro Ricardo Lewandowski fez questão de chamar atenção para o ponto do voto do ministro Celso de Mello que tratou do regime jurídico da liberdade de reunião. Para Lewandowski, esse trecho do voto seria uma notável contribuição do decano da Corte para a doutrina das liberdades públicas. Após fazer uma análise sobre o que seria droga, tanto hoje quanto no futuro, o ministro disse entender não ser lícito coibir qualquer discussão sobre drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, desde que respeitados os ditames constitucionais.

Já o ministro Ayres Britto afirmou que “a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, que é tonificada quando exercitada gregariamente, conjuntamente, porque a dignidade da pessoa humana não se exaure no gozo de direitos rigorosamente individuais, mas de direitos que são direitos coletivamente experimentados”.

A ministra Ellen Gracie, por sua vez, lembrou aos colegas que integra comissão internacional que estuda a descriminalização das drogas. “Sinto-me inclusive aliviada de que minha liberdade de pensamento e de expressão de pensamento esteja garantida”, disse.

Para o ministro Marco Aurélio, as decisões do Poder Judiciário coibindo a realização de atos públicos favoráveis à legalização das drogas simplesmente porque o uso da maconha é ilegal são incompatíveis com a garantia constitucional da liberdade de expressão. “Mesmo quando a adesão coletiva se revela improvável, a simples possibilidade de proclamar publicamente certas ideias corresponde ao ideal de realização pessoal e de demarcação do campo da individualidade”, disse.

Último a votar, o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, salientou que a liberdade de expressão é uma emanação direta do valor supremo da dignidade da pessoa humana e um fator de formação e aprimoramento da democracia.

“Desse ponto de vista, (a liberdade de expressão) é um fator relevante da construção e do resguardo da democracia, cujo pressuposto indispensável é o pluralismo ideológico”, disse. Ele acrescentou que liberdade de expressão “só pode ser proibida quando for dirigida a incitar ou provocar ações ilegais iminentes”.

Por fim, o ministro advertiu que “o Estado tem que, em respeito à Constituição Federal e ao direito infraconstitucional, tomar, como em todas as reuniões, as cautelas necessárias para prevenir os eventuais abusos”. Mas ressaltou: “Isso não significa que liberdade em si não mereça a proteção constitucional e o reconhecimento desta Corte”.

História da maconha no Brasil


Para alguns talvez seja difícil de aceitar, mas a história do Brasil e a da cannabis andam lado a lado desde 1500, com a chegada das caravelas portuguesas, que por sua vez, faziam o uso do cânhamo no cordame e em suas velas. Não sei se voce já notou, mas a palavra "maconha" tem as mesmas letras que a palavra "cânhamo" escrita em uma ordem diferente.
Segundo documento oficial do governo brasileiro (Ministério das Relações Exteriores, 1959): "A planta teria sido introduzida em nosso país, a partir de 1549, pelos negros escravos, como alude Pedro Corrêa, e as sementes de cânhamo eram trazidas em bonecas de pano, amarradas nas pontas das tangas" (Pedro Rosado).
A maconha não é uma planta nativa brasileira, ela foi trazida pelos escravos africanos, como pode ser conferido nas seguintes passagens:
"Entrou pela mão do vício. Lenitivo das rudezas da servidão, bálsamo da cruciante saudade da terra longínqua onde ficara a liberdade, o negro trouxe consigo, ocultas nos farrapos que lhe envolviam o corpo de ébano, as sementes que frutificariam e propiciariam a continuação do vício" (Dias, 1945).
"Provavelmente deve-se aos negros escravos a penetração da diamba no Brasil; prova-o até certo ponto a sua denominação fumo d’Angola" (Lucena, 1934).
No século XVIII a Coroa portuguesa incentivou o cultivo da maconha no Brasil, e com o passar dos anos o uso recreacional se disseminou entre os negros escravos e logo também entre os índios brasileiros, que por sua vez, passaram a cultivar o que usavam. Porque o uso recreacional da cannabis era, até então, feito pelas camadas socioeconômicas menos favorecidas, não havia interesse em cuidar desse uso, apesar do fato de haver rumores quanto à Carlota Joaquina (esposa do Rei D. João VI) desfrutar do chá de maconha.
A partir da segunda metade do século XIX começaram a haver mudanças na situação da cannabis no Brasil pois chegaram notícias sobre os efeitos prazerosos da maconha, principalmente após a divulgação dos trabalhos do Prof. Jean Jacques Moreau, da Faculdade de Medicina da Tour, na França, e de vários escritores e poetas de lá. Apesar de tudo, o uso medicinal da maconha foi o mais aceito no Brasil, como descrevia um formulário médico em 1888:
"Contra a bronchite chronica das crianças (...) fumam-se (cigarrilhas Grimault) na asthma, na tísica laryngea, e em todas (...) Debaixo de sua influência o espírito tem uma tendência às idéias risonhas. Um dos seus efeitos mais ordinários é provocar gargalhadas (...) Mas os indivíduos que fazem uso contínuo do haschich vivem num estado de marasmo e imbecilidade" (Chernoviz, 1888).
As cigarrilhas Grimault, de Cannabis Indica, ainda em 1905 era indicada para asma, catarro, insônia, entre outros. Na década de 1930, a maconha ainda era usada no meio medicinal e diversas propriedades terapêuticas do extrato do seu fluido eram citadas:
"Hypnotico e sedativo de acção variada, já conhecido de Dioscórides e de Plínio, o seu emprego requer cautela, cujo resultado será o bom proveito da valiosa preparação como calmante e anti-spasmódico; a sua má administração dá às vezes em resultados, franco delírio e allucinações. É empregado nas dyspepsias(...), no cancro e úlcera gástrica (...) na insomnia, nevralgias, nas perturbações mentais ... dysenteria chronica, asthma, etc.".
A repressão, então, ganhou forças possivelmente devido à posição de um delegado brasileiro Dr. Pernambuco, na II Conferência Internacional do Ópio (1924) pela antiga Liga das Nações, que afirmou que a maconha era mais perigosa que o ópio. Estranhamente, o documento oficial do governo brasileiro (Ministério de Relações Exteriores, 1959) dizia:
"Ora, como acentuam Pernambuco Filho e Heitor Peres, entre outros, essa dependência de ordem física nunca se verifica nos indivíduos que se servem da maconha. Em centenas de observações clínicas, desde 1915, não há uma só referência de morte em pessoa submetida à privação do elemento intoxicante, no caso a resina canábica. No canabismo não se registra a tremenda e clássica crise de falta, acesso de privação (sevrage), tão bem descrita nos viciados pela morfina, pela heroína e outros entorpecentes, fator este indispensável na definição oficial de OMS para que uma droga seja considerada e tida como toxicomanógena".
A repressão no Brasil se alastrou e permaneceu durante décadas, tendo o apoio da Convenção de Entorpecentes da ONUque até o dia de hoje considera a maconha uma droga extremamente prejudicial à saúde e à sociedade, equiparando-a à heroína.
"A proibição total do plantio, cultura, colheita e exploração por particulares da maconha, em todo território nacional, ocorreu em 25/11/1938 pelo Decreto-Lei no 891 do Governo Federal" (Fonseca, 1980).
Afirma-se que a maconha não seja uma substância narcótica sendo um erro colocá-la nessa convenção de entorpecentes. A Lei no 6.368, de 1976, prevê pena de prisão para a pessoa que possua qualquer quantidade de maconha, mesmo que para uso pessoal. Nos dias atuais, a lei mudou e só é necessário ir à delegacia e assinar um "atestado de maconheiro", o que pode prejudicar na hora de pegar um emprego ou outras atividades que requerem um nome limpo na polícia.
Todo esse excesso de problemas envolvendo a maconha durante os anos tem reflexos nos dias atuais, pois apesar de ser tratado em diversos países como medicamento, o Brasil ainda tem muito preconceito em volta da planta canábica, como pode ser notado no artigo Maconha, porta de entrada ou de saída do crack?, onde novas portas ao avanço da medicina são difíceis de abrir.
Estudos comprovam que o consumo da cannabis vem aumentando entre estudantes, o I Levantamento Domiciliar sobre Consumo de Drogas no Brasil em 2002 concluiu que 6,9% dos 47 milhões de habitants já consumiram a cannabis ao menos uma vez, isso corresponte a 3,249 milhões de pessoas, sem contar as que negaram para manter a sua privacidade. Fazendo um comparativo, o número de pessoas internadas por intoxicação aguda ou por dependência de maconha nos últimos 15 anos não ultrapassou 300 por ano de 1997-1999, enquanto que no mesmo período as internações por álcool chegaram a um total de 119.906 pessoas.
Concluindo, no "Jornal Brasileiro de Psiquiatria" (29: 353-4, 1980) o maior perigo do uso da maconha é expor os jovens a consequências de ordem policial sumamente traumáticas. O problema das drogas no Brasil sofre de um julgamento apaixonado e moralista e aqui estaremos até que a sociedade entenda que usuários de maconha não são deliquentes drogados viciados em maconha, mas sim pessoas que tem como droga de escolha a maconha, assim como há pessoas que optam por álcool e/ou cigarro.


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