Na Roma Antiga, o crime de parricídio, o assassinato do próprio pai ou de outro ascendente legítimo era considerado uma transgressão de natureza extrema, afrontando diretamente os pilares da sociedade patriarcal romana.
Em resposta, os romanos desenvolveram uma punição singularmente cruel e ritualística: a poena cullei.
Essa prática, cuja origem remonta à República e que perdurou até o período imperial, ilustra não apenas o rigor jurídico romano, mas também o profundo simbolismo cultural que permeava a aplicação das penas capitais.
Meu texto tem por objetivo analisar a poena cullei sob a ótica histórica, jurídica e simbólica, com base em fontes primárias e estudos contemporâneos.
A poena cullei, ou "pena do saco", consistia em costurar o condenado vivo dentro de um saco (latim: culleus), juntamente com quatro animais: um cão, um galo, um macaco e uma serpente.
Após esse ritual, o saco era lançado ao rio Tibre, completando o castigo com a morte por afogamento.
A seleção dos animais não era arbitrária: cada criatura continha um simbolismo próprio, associado ao caos, à traição, à desordem familiar ou à ruptura da ordem natural.
Segundo Plínio, o Velho (Naturalis Historia, V.16.74), a origem da punição está relacionada à gravidade do crime e à necessidade de extirpar o parricida não apenas da vida, mas do espaço social, negando-lhe sepultura e memória.
O jurista Ulpiano, citado no Digesto de Justiniano (48.9.9), descreve as especificações legais da pena, reforçando seu caráter ritualístico e purificador.
Pesquisadores modernos como Richard A. Bauman e Eva Cantarella destacam que a poena cullei possuía um elemento simbólico de expulsão total do criminoso do cosmos romano.
Ao ser costurado com animais considerados “antinaturais” e lançado às águas, que nos rituais latinos significavam purificação e exílio, o parricida era não apenas punido, mas apagado simbolicamente da ordem do mundo.
O fim da aplicação da poena cullei ocorreu gradualmente, sendo formalmente abolida no final do Império Romano, embora reaparições esporádicas tenham sido registradas na Idade Média, especialmente no Sacro Império Romano-Germânico.
Essa punição exemplifica de maneira emblemática a interseção entre direito, religião e simbolismo na Roma Antiga.
A pena não buscava apenas eliminar fisicamente o criminoso, mas também purificar o corpo político e reafirmar os valores familiares romanos, especialmente o respeito ao pater familias.
Ao ser excluído do mundo dos vivos e dos mortos, o parricida era colocado fora da sociedade e da história.
Assim, o estudo desta pena permite compreender o pensamento jurídico romano em suas dimensões mais profundas, onde punição e rito caminhavam lado a lado.
Texto e organização:
Klaus Dante

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